Por que MTB no Brasil é em estrada de terra, e pouco em trilhas?
Dependendo da região onde você vive, você não a chame de estrada de terra. Estrada de chão, estrada batida ou ainda estradão. Não importa.
O que importa é que more você no sul, sudeste, norte, nordeste ou centroeste, certamente existe pelo menos uma dessas a menos de 20km de onde você está agora.
Você pode estar na Praça da Sé, na Pampulha, na Candelária ou no Parque Farroupilha. O estradão estará próximo.
Para quem mora em cidades menores – como eu – a maioria das vezes ela é a única forma de chegar em um bairro da cidade. Muitas vezes ela é a única forma de chegar na própria cidade.
Tem estradão pra dar e vender no Brasil… mas por quê?
Por que no Brasil tem tanto estradão?
Motivo 1:
Porque nosso governo não investe na pavimentação de estradas vicinais. É muito diferente você pegar uma mountain bike e cruzar a Serra da Canastra num belo de um estradão de querer voltar do trabalho pra casa e ter que pegar 5km de estradão pois não tem asfalto ligando a cidade ao seu bairro.
Essa falta de investimento é explicada principalmente pelo custo de se pavimentar uma estrada no Brasil ser tão alto (fonte). Temos somente uma fabricante de asfalto, a Petrobras, não possuimos muita mão de obra qualificada para a execução de projetos de pavimentação e não há punição para as empresas que constroem um asfalto de má qualidade.
Resultado: Já não asfaltamos e, quando o fazemos, o asfalto dura pouco. O exemplo extremo, que citei na fonte acima, é de uma pista no Maranhão, a BR-316:
Depois de menos de um ano da conclusão de sua construção, ela já apresentava problemas em 82% de sua extensão.
Motivo 2:
Esse ja é um pouco mais complexo: O nosso clima. No Brasil temos chuva pra dar e vender. Chove muito. Chove o ano inteiro. Chove em todo lugar. Some isso à tecnologia de asfalto atrasadíssima que possuímos e não há pavimento que aguente. A solução melhor é mesmo deixar alguns bairros – e cidades – pra trás já que em pouco tempo a pista estaria recheada de buracos.
Apesar de produzirmos algo de boa qualidade com a atrasada tecnologia que possuimos, ela ainda assim é… atrasada.
O que nos resta é realizar os investimentos (ainda com a ajuda do miserável pedágio) nas regiões de maior tráfego. Rodovias como a Dutra, Fernão dias, Régis Bittencourt e outras Brasil afora.
Aliás, já reparou na quantidade de gente pedalando pelas auto estradas do Brasil? Bastante né. Eu mesmo já pedalei por elas. Quem nunca. Mas… é normal tanta bike de estrada em rodovias?
Por que tem tanta bike de estrada nas rodovias brasileiras?
Eu morei em diversos países, e um deles foi a Romênia, acredite se quiser.
Lá é proibido circular de bicleta pelas auto estradas e rodovias maiores. Mas sempre tinha uma estradinha ligando bairros e cidades menores onde os ciclistas de estrada trafegavam. Estrada bem simples, as vezes nem passavam dois carros, mas sempre asfaltada com qualidade.
No Brasil, se quisermos pedalar com bikes de estrada por vários quilômeros num asfalto de qualidade, sem lombadas ou sem ter que ficar entrando em cidades, eventualmente teremos que recorrer à rodovia.
Lá era muito raro o tal estradão ligando um lugar com gente morando a outro. Assim o ciclismo de estrada fica ainda mais gostoso!
E antes que alguem me diga “Ah, Fernando, mas lá era Europa! É muito mais rico e….” eu deixo claro que era a Romênia, país com IDH bem parecido com o Brasil (0.793 versus 0.755) e ainda menor que região do país onde habito. Fora daqui é mesmo muito raro ver alguém pedalando em rodovias. Isso porque onde estaria um estradão, tem uma estradinha de asfalto.
Ainda assim não respondemos à pergunta do título…
Por que pedalamos de mountain bike em estrada de terra?
No mundo todo, a bicicleta de estrada reinava soberana até o fim dos anos 80. Marcas como Cannondale, Bianchi e Specialized nem sonhavam em produzir Mountain Bikes em larga escala. Nem existia a ideia de uma bike com suspensão e pneus cravados com mais de 2.0′ de largura. Bicicleta era bicicleta:
Por todo canto no Brasil, íamos de carro, moto, mula, bicicleta de uma cidade a outra em um estradão todo esburacado. Num trecho semelhante na Europa, Japão e Estados Unidos – onde as maiores montadoras estão – isso acontecia no asfalto. Simples, sem acostamento, sem sinalização, mas ainda sim no asfalto.
Aí estava criado o cenário para as mountain bikes prosperarem no Brasil. Elas eram a melhor alternativa no momento para sair desbravar longas distâncias nos acidentados estradões de terra brasileiros. Subíamos morros, íamos a vilas e bairros distantes, cruzávamos canaviais. Tudo de mountain bike. Tudo no estradão. Coisas que fora do país se fazia com uma bike de estrada – a chamada speed.
“Ok, então pegamos estradão com mountain bike no Brasil simplesmente porque tem estradão pra todo lado?”
Em grande parte, sim! No Brasil as Mountain Bikes são muito mais populares. Utilizando as linhas da Caloi como referência podemos ver que só para 2017 eles introduziram em seu sortimento de bikes a Strada Racing. Primeira bike de nivel competitivo para o asfalto da tradicional montadora.
Talvez um nome mais justo para a Mountain Bike no Brasil seria como ela é chamada em Portugal, a BTT – Bike todo terreno.
Mas isso não responde a outra pergunta proposta no título, não é?
Por que não pedalamos em trilhas e single tracks?
São 5 motivos:
1- Cercas
Você pode achar essa razão estranha, mas é verdade. No Brasil tudo tem cerca. Fazenda, sítio, chácara, rancho, condomínio… De um lado porque temos muito gado e as cercas funcionam para o bicho não fugir da propriedade. De outro pois não queremos intrusos e visitantes indesejados em nossos terrenos. A verdade é que aqui tem arame farpado pra dar e vender.
Vejam esses dois casos:
A foto abaixo foi retirada do blog Rocha & Gelo num post sobre a Pedra da Bacia na Serra da Bocaina:
Tem uma cerca de arame farpado no alto de uma montanha.
Ou o dono dessa propriedade tem muito medo de invasores a centenas e centenas de metros de altitude, totalmente distante da civilização, ou ele tem gado e não quer que ele fuja. De uma forma ou de outra, pela forma como o solo logo abaixo da cerca está limpo, alguém está cuidando dalí.
Essa outra é em Atibaia, minha cidade natal:
Você não leu errado. Está realmente escrito “vem chumbo grosso.”
2- A tímida cultura de montanhismo
No Brasil não temos essa coisa de fazer trilhas, acampar e subir montanhas como em outros lugares. Apesar de termos muitas serras com pontos de 2000m acima do nível do mar e ser em teoria um paraíso para praticar o montanhismo.
Uma mostra disso são os mapas a seguir. O primeiro é da primeira imagem que achei quando digitei no Google “mapa dolomitas” , uma cadeia montanhosa nos Alpes, na Itália:
E esse é da primeira imagem que apareceu quando digitei no Google “mapa serra fina”, me referindo a uma parte da Mantiqueira, a cadeia montanhosa mais popular no montanhismo brasileiro:
Diferenças absurdamente gritantes no nível de detalhes. Isso mostra como ainda não valorizamos a cultura da montanha, de pegar trilha, de acampar como em outros lugares. Sendo assim, há pouco espaço para o mountain bike sair do estradão e partir trilha adentro.
3- A fraca popularidade do Gravel Bike no Brasil
Vou te contar um segredo escondido da civilização do mountain bike brasileira. É coisa séria! Está preparado? Aconselho você a se sentar para ler isso: Existe uma bicicleta ideal para andar no estradão que não é a mountain bike e nem a speed. É a Gravel Bike:
Bicicletas próprais para estradões de terra e cascalho. Tenho um artigo completo sobre o que é uma Bike Gravel caso tenha interesse em descobrir mais.
4- Ainda há pouquíssimas pistas de XCO por aqui
2024 foi o primeiro ano em que o UCI Mountain Bike World Series visitou o Brasil. Foram duas provas: Mairiporã e Araxá, sendo o circuito mineiro elogiado por diversos bikers.
Pistas deste nível existem, mas são raras. Eu mesmo só consegui pedalar num circuito de MTB quando morei em Poços de Caldas, em 2021, e tinha à disposição o fantástico circuito de XCO de Poços.
E olhem que “coincidência”: Poços de Caldas é terra natal de nada mais nada menos que Sherman Trezza, João Gabriel, Renato Rezende pelo BMX, e outros que certamente esqueci de mencionar.
Em Atibaia, a primeira pista a aparecer foi o Bike Park Atibaia, só alguns anos atrás.
5- Criminalidade e armadilhas
As poucas trilhas que temos são recheadas de armadilhas e obstáculos. Arames invisíveis no meio da trilha, pedras, um monte de lenha jogada pelo caminho. Em grande parte isso acontece para deter o avanço do pessoal do motocross.
Não tenho absolutamente nada contra a modalidade, mas de fato quando o pessoal passa com as motos no meio da trilha causa um baita estrago. Aí o dono da propriedade se vê na obrigação de dificultar o acesso alí e nós, do mountain bike, pagamos o pato.
Há também o problema da criminalidade. Como outro leitor me lembrou, na floresta da Tijuca, no Rio, os casos de roubo de bike já viraram estatísticas. Um solitário ciclista no meio de uma floresta em uma região metropolitana é o suficiente para atrair alguém mal intencionado.
Nos resta mesmo é pedalar nos estradões de fácil acesso e sem esses empecilhos…
Ou seja
A mensagem que te deixo é que você talvez nunca tenha visto que sua MTB tem muito mais potencial que você possa imaginar! A leitura leitura de terreno de uma MTB com suspensão, pneus acima de 2.0′ de largura e guidão largo é enorme! Muito mais capaz que uma simples estradona de um bairro a outro.
Apesar de preferir e muito pedalar em trilhas eu não vou mentir: Eu também adoro pegar um estradão plano e tentar fazer meus amigos comerem poeira (o que quase nunca acontece hahaha). Pra ser mais sincero ainda, um dos únicos KOMs que eu tenho no Strava (se é que você liga para o Strava) é de um segmento de 3km no plano (num estradão, lógico).
De todo modo:
No estradão, no asfalto ou na trilha, lembre-se sempre: A não ser que você seja um profissional, o importante é estar se divertindo!